O café na República Velha: ascensão e queda da intervenção
Em visita recente ao Instituto Biológico de SP, fiquei espantado com um cafezal de 1,5 mil pés na Vila Mariana. O lugar fica a poucos metros da Av. Vinte e Três de Maio e é próximo ao parque do Ibirapuera. O que explicaria manter esse terreno com alguns arbustos de café em uma área tão valorizada? Paro para pensar e recorro à história. A importância histórica do café para a cidade de São Paulo explica esse lugar com ar de roça encravado na metrópole.
O café foi um produto muito importante para a economia brasileira até a crise de 1929, mas essa importância foi artificialmente sustentada por sucessivos programas de defesa de preço no mercado internacional. De fato, o programa de defesa do café foi a primeira tentativa de intervenção na economia brasileira.
Desde a primeira república até a segunda guerra mundial a exportação de café desempenhou papel de destaque no comércio exterior brasileiro. Foi através das divisas desse setor que foi possível manter a balança comercial em equilíbrio e importar bens e matérias-primas para os primeiros surtos de industrialização, além de ter fornecido capitais e mão de obra para a indústria nascente.
O preço do café na última década do século XIX estava declinante. Existia um movimento para intervenção nesse mercado. Dois fatores atrapalhavam. O câmbio apreciado e a queda do preço internacional do produto. Mas com a subida do preço em 1900 não se insistiu mais na ideia de intervenção.
Uma super safra esperada para 1905/06 levou a um movimento de intervenção para sustentação de preço e SP, MG e RJ criaram o Convênio de Taubaté que tinha como missão de estabelecer um preço mínimo para a saca através da política de estoques. Criou-se a caixa de conversão para defender a renda do setor das variações cambiais. Outros planos de intervenção sucederam. Na década de 1930 houve a institucionalização da defesa.
Em face da depressão econômica da economia e a impossibilidade de dar vazão à colheita recorde de 1934 o governo Vargas decidiu comprar toda a produção e queimar os excedentes. Como bem notou Furtado: “à primeira vista parece um absurdo colher o produto para destruí-lo. Contudo, situações como essa se repetem todos os dias na economia de mercados”.
Um absurdo foi a intervenção ter sido utilizada por tanto tempo. Colher para destruir não é coerente em uma economia de mercado, mas é coerente em um governo intervencionista.
Esses mecanismos levaram a novos entrantes no mercado do café, já que existia a política de um preço mínimo. Isso causou cada vez mais intervenção para sustentar o preço, pois a cada ano os estoques cresciam. A característica da lavoura cafeeira é que existem baixas barreiras à entrada e altas barreiras à saída, pois uma vez plantado o pé não existe grandes custos de conservação, embora tenha que esperar quatro anos para o arbusto ser produtivo.
Uma característica do preço do café no mercado é a instabilidade. Segundo Delfim Neto, semelhante ao modelo de teia de aranha, mas com amplitude crescente. Ou seja, em cada ciclo a quebra de expectativas seriam maiores o que levaria a grandes oscilações nas quantidades colhidas de uma safra para outra.
Nesse sentido, a historiografia tradicional diz que devido à importância política dos grupos de interesse do setor cafeeiro houve uma crescente demanda pela intervenção nesse mercado e a política econômica foi orientada tendo em vista defender a renda desse setor.
A literatura revisionista defende que a primeira República foi marcada por um pensamento ortodoxo de política econômica e que a intervenção foi consequência das contingências da estrutura de uma economia exportadora de produtos agrícolas, sobretudo o café.
O fato é que a intervenção no preço do café através da regulação da oferta comprometeu a diversificação da produção agrícola brasileira até meados dos anos 1930. E que a política cambial adotada para defender a renda desse setor se por um lado incentivou a substituição de importações, por outro, colocou em sérios problemas a execução orçamentária do governo central.
Notadamente, o interesse dos cafeicultores foi preservado. Mas, as rodadas sucessivas de intervenção levaram a mais intervenção. A cada nova safra e a perspectiva de menores preços, mais intervenção era solicitada.
Aqueles que defenderam o programa acreditavam que exportar era bom e que importar era ruim. Mas, no comercio exterior, é indiferente importar ou exportar. É bom importar. Essa teoria que defende a exportação em prejuízo da importação traz no seu bojo um componente mercantilista. Ela defende que o acúmulo de divisas, em especial de ouro é melhor do que qualquer tipo de importação. Esse pensamento era comum à época.
Entretanto, durante a década de 30 a importância do mercado interno na formação da renda líquida nacional cresceu. Isso se somou ao fato do setor do café estar estagnado. Paulatinamente, esse grupo de interesse foi perdendo importância e as novas demandas por intervenção não foram mais atendidas. Com o aumento da produção voltada ao mercado interno, uma nova classe de comerciantes e empresários passou a disputar benefícios com o grupo tradicional da cafeicultura. Não por acaso esse fato coincide com outro muito destacado da história política: o final da Republica Velha e o início do governo de Vargas.
Obrigado por lembrar da importância histórica do café para a cidade de São Paulo.
Seu artigo é muito interessante.
Márcia